sexta-feira, março 31, 2006

CINEMA À QUARTA

Depois deste primeiro ciclo de cinema no Teatro Virgínia, promovido pelo Cine-clube de Torres Novas, não posso deixar de manifestar aqui o meu agrado pela óptima programação elaborada.
Numa localidade onde uma sala de cinema fechou para dar lugar a um pseudo cinema com várias salas que não valem por uma, onde a cultura do lazer foi subjugada à cultura do consumo puro e duro e as caras dos empregados displicentes e mal dispostos nos dão as boas vindas, as noites de quarta surgem como uma lufada de ar fresco.
Dos bons filmes que passaram pela tela, destacam-se 'Amor e Vacas' e 'Um tempo para cavalos bêbados', filmes que nunca tinha conseguido ver mas que muito me agradaram.

Gostei de 'Amor e Vacas' pela surpreendente abordagem das relações, dos medos, dos vícios e das prioridades, com uma estética fascinante, que confere a toda a experiência uma sensação de deslumbramento não obstante a vulgaridade da trama.

Amor e vacas, de Harry Sinclair. (Nova Zelândia, 2000)



'Um tempo para cavalos bêbados' é um filme cru, mostra factos sem melodramas. Com uma fotografia bonita persegue a sobrevivência de crianças curdas expostas a uma assumpção de responsabilidades que nós como crianças com infância só enfrentamos muito mais tarde na vida. Vale por tudo; pela história, pelos sons e pelas imagens que ainda retenho na memória.

Um tempo para cavalos bêbados, de Bahman Ghobadi. (Irão, 2001)

quarta-feira, março 29, 2006

O EGO DE SIMÃO

Simão sentava-se no meio da sala, muito concentrado a ouvir o seu interior. Tinha ouvido falar no ego e no super ego. Ponderara sobre o assunto acabando por concluir que se somasse todos os seus pensamentos, lembranças e a percepção do agora só compreenderia o que já compreende, a sua consciência não se alteraria e a realidade iria continuar a ser a realidade que todos os dias aceita quando se deixa ser.
Mas o que lhe interessava particularmente era compreender o seu super ego, almejava conhecer profundamente aquela força que manobrava as suas decisões de forma subreptícia.

Simão passava assim tardes e tardes, propositadamente isolado do mundo, encetava uma viagem até ao fundo do seu ego, pensando vislumbrar aí a profundidade do seu ser.


Richard Artschwager, Live in your Head, 2002.

domingo, março 26, 2006

A DIVA E A TARTARUGA

Era uma senhora alta, alongada e esguia, que marcava a sua presença em qualquer local com a sua postura elegante que roçava a petulância nos dias mais cinzentos.
Ao longo da vida, cheia de tantos afazeres, tinha desenvolvido uma certa impaciência para minudências do quotidiano, estava no seu intímo convencida da sua tendência para atender a grandes factos, grandes assuntos, a grandes decisões.
Chegou então o dia em que a meio de um estado de letargia, entre a preparação de uma sandes que lhe serviria de almoço e a diária leitura de vários periódicos, sentiu uma estranha presença na sua cozinha antisséptica, olhou em volta e viu horrorizada uma grande tartaruga que vagarosamente invadia o seu espaço.
Depois de um momento de enorme terror baixou o prato com que tapava os olhos, concerteza na vâ esperança de ter tido uma alucinação, e olhou com atenção para os olhos pequeninos da que suspeitava ser sua agressora e perscrutou neles uma simpatia que nunca se tinha dado ao trabalho de procurar.
Dona Eugénia, assim se chamava a alta senhora, colocou um joelho no chão, fez uma pequena festa na fronte da tartaruga e compreendeu que podia paulatinamente aprender a olhar nos olhos de outros, sem aquela sensaçáo recalcada de que não valeria a pena olhar com atenção porque nada haveria de novo para ver.

quarta-feira, março 22, 2006

PRIMAVERA

As minhas estações preferidas são as equinociais, não gosto de temperaturas extremas porque tenho o meu termostáto avariado desde muito pequenina...
Se gosto da constância nalguma coisa é na temperatura amena, é uma coisa que me faz bem, não ter que me preocupar com o abrigo do frio ou do calor...



Gosto do verde que marca a transição do inverno para a primavera, gosto da primavera, não obstante o seu nome peculiar, mas prefiro a cor do outono, este sim com um belo nome, aquela cor amarelada de quando o sol passa para lá do equador em direcção ao trópico de capricórnio. Um dia hei-de colocar aqui a imagem da eclíptica, que muito nos ajuda a compreender as estações...

sábado, março 18, 2006

COIMBRA EM BLUES

Hoje, daqui a alguns minutos, termina mais um Festival Internacional de Blues em Coimbra no TAGV, é a sua 4ª Edição.



Para hoje
Kenny Brown e Heavy Trash.

Vai ser mais um final em beleza, estou ansiosa...

segunda-feira, março 13, 2006

MACAU

para o Zé Carlos, um velho amigo 'perdido' por terras orientais:

Um território orgânico e receptivo; um lugar de desembarque. É por assentar nesta espécie de vazio que o 'jogo' lhe fica tão bem,...


Resulta da particular tensão entre opostos que estão de costas voltadas. Dir-se-ia que só culturas tão extremadas, a ocidente e a oriente, se podiam circunscrever e coexistir tão criativamente. Como se houvesse uma espécie de transparência recíproca, um descruzamento que permite que a vida suceda. Em Macau está tudo transformado, por ser reflexo de muitas mãos apertadas.


Ana Vaz Milheiro
, in 'PÚBLICO, 4 de Março de 2006'.

quinta-feira, março 09, 2006

ESFERAS

Era uma prisão esférica cujas saídas, protegidas por espigões espadaúdos, impediam a saída dos pequenos aventureiros. À medida que o tempo ia passando surgiam pequenos interstícios por onde se iam escapando tanto o ar como os restantes elementos há tanto retidos na bolha estrelada.

Cephalanthus occidentalis

terça-feira, março 07, 2006

RENDILHADOS

quarta-feira, março 01, 2006

LABIRINTOS VASCULARES



Adélia procurava no meio do ar denso aquele pedaço de memória que há tempos a havia abandonado. Perante outras ousadas lembranças, teimava em procurar de forma mais obstinada todos aqueles indícios de outras viagens e de outros lugares.



Calcorreava aquele labirinto vascular, tocava ao de leve nas paredes na vã esperança de que estas lhe transmitissem, sob a forma de pequenos pulsares, todas as coisas que precisava descobrir. Sabia que algures naquele rendilhado ventricular estava um pequeno ninho fofo, aquele espaço oco de presente mas repleto de vivências.




Puxou um último tecido para cima, encostou os ombros à última parede e entrou na alcova enegrecida de sombras convidativas. Ia deixar cair os tecidos sobre a entrada, esquecer o percurso doloroso da busca e deixar-se cair nos braços de Simão.