domingo, março 26, 2006

A DIVA E A TARTARUGA

Era uma senhora alta, alongada e esguia, que marcava a sua presença em qualquer local com a sua postura elegante que roçava a petulância nos dias mais cinzentos.
Ao longo da vida, cheia de tantos afazeres, tinha desenvolvido uma certa impaciência para minudências do quotidiano, estava no seu intímo convencida da sua tendência para atender a grandes factos, grandes assuntos, a grandes decisões.
Chegou então o dia em que a meio de um estado de letargia, entre a preparação de uma sandes que lhe serviria de almoço e a diária leitura de vários periódicos, sentiu uma estranha presença na sua cozinha antisséptica, olhou em volta e viu horrorizada uma grande tartaruga que vagarosamente invadia o seu espaço.
Depois de um momento de enorme terror baixou o prato com que tapava os olhos, concerteza na vâ esperança de ter tido uma alucinação, e olhou com atenção para os olhos pequeninos da que suspeitava ser sua agressora e perscrutou neles uma simpatia que nunca se tinha dado ao trabalho de procurar.
Dona Eugénia, assim se chamava a alta senhora, colocou um joelho no chão, fez uma pequena festa na fronte da tartaruga e compreendeu que podia paulatinamente aprender a olhar nos olhos de outros, sem aquela sensaçáo recalcada de que não valeria a pena olhar com atenção porque nada haveria de novo para ver.