segunda-feira, janeiro 16, 2006

PEQUENOS SERES AZULADOS

Brincavam no terraço de forma espontânea e despreocupada, nunca se lembravam de que o lusco-fusco era hora de recolher a casa, nem tão pouco de que a essa mesma hora um jantar fumegante esperava por eles na mesa da cozinha.
Enquanto saltitavam, o cinzento desaparecia e apenas as paletas do arco-íris contavam enquanto ao pé coxinho percorriam a ladeira de uma ponta à outra, para cima, para baixo, para cima, para baixo...
Pequenas bolhas prestes a ser gente, pequenos seres que ainda não compreeendiam na sua plenitude as pequenas incoerências da vida, gente para quem a perda de um berlinde custava uma noite de choro fungoso e uma manhã de olhos inchados como papos esponjosos de carne rósea.

Mais tarde os seus olhos, já habituados ao giz, às letras e aos númeors, com os olhos instrumentalizados para a leitura e a mente adepta do cálculo, começavam a fundir-se naqueles tons monocromáticos, começavam a descer calmamente a rua, e a subi-la penosamente no regresso, começavam a preferir uma cor, deixavam para trás as questiúnculas do jogo do elástico ou as rixas da linha da baliza...

Tingiam-se individualmente na superfície vítrea do espelho, os papos de choro pueril tornaram-se olheiras cinzentas de cansaço...
As pequenas minudências que os transformavam em seres com pensamentos intangíveis, desapareciam perante sólidas questões que os perseguiam rua acima, rua abaixo, rua acima, rua abaixo...

1 Comments:

pelas 3:30 da manhã, Anonymous Anónimo instalou-se e disse...

:) um belo, belo texto. muito belo. bem escrito e pertinente. infelizmente olha, é mesmo assim. não há nada mais colorido que as crianças e é triste pensar que elas crescem e vão ficar cinzentas como nós todos. as coisas são assim. estão construídas dessa forma. é mesmo triste.
agora estou deprimido com isto. mas olha, o teu texto está muito bonito. apreciei imensamente. :) fez-me lembrar um poema meu de há muito tempo. vou procurá-lo.
pequena lontra, há poucos sítios agradáveis como este instalados na blogosfera, deixa-me cá dizer-te.

 

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